Rio Paraitinga
Rio Paraitinga é um rio sinuoso que nasce no município de Areias e deságua na represa de Paraibuna onde se encontra com as águas do rio Paraibuna.
Em Tupi, língua indígena dos povos que habitavam essa região, Paraitinga significa “rio de águas claras” e Paraibuna “rio de águas escuras”. As águas do Paraitinga eram claras e transparentes em tom amarelado, mas ao longo dos séculos de ocupação, do desmatamento de suas matas ciliares, da erosão de suas margens e do assoreamento de seu leito, a água se tornou barrenta, especialmente em épocas de chuvas.
A ocupação do centro urbano de São Luiz se deu ao longo das margens do Rio Paraitinga e, até pouco tempo atrás, sua beira fazia parte dos quintais das casas localizadas na rua do Carvalho e onde é hoje a Rua dos Presotto, aberta na década de 1980.
Os moradores dessas casas contam que passaram a infância brincando nesses quintais, alimentando peixinhos com resto de comida, onde a família plantava pequenas hortas de couve, alface, alfavaca, salsinha e cebolinha, roças de feijão, milho, abóbora, chuchu, assim como alguns pés de fruta como limão cravo e laranja lima e onde nasciam espontaneamente o almeirão, a serralha e a cambuquira.
Era comum, até a década de 1980, ver jovens corajosos pulando da ponte principal para se divertir rodando rio abaixo com boias de pneu de caminhão. A ponte é uma das principais obras da cidade. Já a passarela que hoje liga o centro histórico ao bairro do Verde Perto foi construída em 1990. Ali, era antes um barranco, onde crianças gostavam de jogar pedrinhas e folhas no rio para se surpreender com a força de sua correnteza. O Bairro do Verde Perto, antes de ser aterrado, era uma várzea do rio, onde a água fazia a curva em época de enchentes sazonais.
O Rio Paraitinga sempre foi temido pela comunidade luizense. Várias perdas de entes queridos aconteceram ali e fazem parte da memória coletiva. Nunca foi considerado um rio apropriado para banho, pois tem forte correnteza e redemoinhos, mas o rio é sempre desafiado pelos mais jovens.
Não é raro notar, até hoje, a cultura da pesca em suas margens no perímetro urbano. Há sempre a presença do pescador ali, que passa horas na beira, jogando em seu cesto os peixinhos que encontrou. As espécies de peixe que os pescadores encontram atualmente no Rio Paraitinga são mandi, lambari, piaba, piabanha, cascudo, cachorra magra, cará, tilápia, traíra e carpa. Mas há quem se preocupe com o maior percentual de espécies consideradas exóticas e invasoras deste habitat, que são tilápia, mandi, tucunaré e carpa. Os peixes considerados nativos do Rio Paraitinga são lambari, traíra, piaba, muçum, cachorra magra e curimba. O peixe sempre foi uma alternativa importante de alimento para o caipira e essa cultura alimentar perdeu força ao longo do tempo pela diminuição de espécies por conta da mudança do volume e da qualidade da água do Rio Paraitinga e seus afluentes. A razão? Os impactos ambientais.
Até o final da década de 1970, o matadouro da cidade era atrás do Mercado Municipal, onde se fazia o corte dos animais. Todo o resto de barrigada, que não se tem o costume de consumir, era jogada no rio e outros bichos se fartavam do banquete. Essa prática cultural foi proibida quando da implementação das Leis Sanitárias.
Histórico das enchentes
É da natureza do Rio Paraitinga suas águas transbordarem de suas margens em época de chuvas. É comum rios, córregos e várzeas encherem em tempo de chuvas e voltarem ao seu leito em tempo de seca. As enchentes podem ser naturais ou causadas pela ação do ser humano.
Quando acontecem na zona rural, é possível não causar grandes prejuízos, já que o solo, especialmente quando coberto por vegetação, tem a qualidade de irradiar e absorver o excesso da água da chuva. Já na zona urbana, o prejuízo pode ser maior. Em geral o solo está coberto por algum tipo de pavimentação, o que dificulta a vazão e a absorção da água por estar impermeabilizado, sem presença de vegetação para facilitar a infiltração de água para os lençóis freáticos.
O professor Judas Tadeu de Campos, em pesquisa para o livro “Imperial São Luiz do Paraitinga”, relata o histórico das enchentes. Conta que no início de 1967, na época de chuva, o Rio Paraitinga transbordou e atingiu duas vezes o centro da cidade. Nessas duas enchentes a água subiu 5,80 metros, até os “Quatro Cantos” – cruzamento entre as ruas Coronel Domingues de Castro e Monsenhor Ignácio Gióia –, gerando muitos prejuízos e preocupação por parte da população. Mas há notícia, publicada em um jornal do século XIX, de uma enchente que aconteceu em janeiro de 1863 em que água atingiu os primeiros degraus da Igreja da Matriz e destruiu sobrados, casas, pontes e a cadeia pública, localizada onde é hoje a base da Polícia Militar.
Em 1971, as águas do Rio do Chapéu invadiram a Vila de Catuçaba, causando grande destruição. Nessa ocasião, em São Luiz, o Rio Paraitinga subiu 6,30 metros e a prefeitura decretou calamidade pública. No verão de 1996, depois de uma tromba d´água na Serra do Mar, o Rio do Chapéu encheu, represou o Rio Paraitinga e suas águas chegaram até a Praça da Matriz. Foi a inundação que mais causou prejuízos aos comerciantes e moradores da cidade antes da grande enchente de 2010.
O inverno de 2009 foi chuvoso e o Rio Paraitinga começou a transbordar logo em outubro. O solo passou a ficar encharcado, sem condições de infiltrar a água, que corria diretamente para o leito do Paraitinga. Em dezembro daquele ano choveu muito: no último dia do ano choveu o valor esperado para todo o mês.
Dado esse histórico de enchentes e a decretação, por quatro vezes, entre 1967 e 2010, do estado de calamidade pública no município, fica claro que se faz extremamente necessária a gestão e a prevenção de riscos de desastres.
Isso é possível através de investimento para a compra e manutenção de equipamentos de monitoramento para a prevenção de ocorrências de alagamentos e inundações. Como os pluviômetros, que são instrumentos meteorológicos utilizado para recolher e medir a quantidade de chuvas, e os sensores, que medem o volume de água e a profundidade do rio e emitem um alerta, geralmente acionado na Defesa Civil, para evacuar áreas e/ou retirar pessoas de uma área de risco a tempo de evitar um desastre.
A formação e a conscientização de pessoas sobre prevenção de risco de desastres também é muito importante e deve envolver as instituições públicas e toda a comunidade. A Defesa Civil de São Luiz, dentre suas atribuições, tem um importante papel de formação para prevenção de desastres nas escolas do município.
Neste sentido, o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais – o Cemaden Educação – realizou uma ação junto à Escola Estadual Ensino Médio Monsenhor Ignácio Gióia e à Defesa Civil de São Luiz do Paraitinga, envolvendo professores e alunos em processos de pesquisa e compartilhamentos de informação para entender e emitir alertas de riscos de desastre em São Luiz do Paraitinga. Uma das atividades foi a confecção de pluviômetros caseiros para medir a quantidade de chuva e envolver a comunidade na prevenção e alerta de riscos.
A importância da mata ciliar
A mata ciliar no perímetro urbano de São Luiz, que já era escassa, diminuiu com a grande enchente do Rio Paraitinga, ocorrida em 2010. O trecho onde havia uma pequena porção de mata, por exemplo, na borda do morro da Capelinha, no acesso principal a São Luiz do Paraitinga, desbarrancou com a enchente.
A alternativa utilizada para a contenção dos processos erosivos na encosta do morro foi a estabilização de taludes com o objetivo de preservar a via de acesso e a margem do rio, onde foram assentados muros de contenção, ou os gabiões, para a consolidação das margens e para a melhoria do fluxo d´água.
Topos de morros, áreas com declividade acima de 45° e matas ciliares (ao longo de cursos d´água – rios, córregos e riachos) são consideradas Áreas de Preservação Permanente (APPs) pela Lei Federal n° 12.651/2012 - conhecida como o Novo Código Florestal, pois têm como função proteger o solo, preservar a vegetação e os recursos hídricos, garantir a biodiversidade, o fluxo de fauna e flora, assim como assegurar o bem comum das pessoas. Mas, na maioria das vezes, isso não é cumprido, especialmente pela ocupação desordenada da zona urbana ou pelo avanço da agropecuária até as beiras dos cursos d´água.
Lia Helena Demange – pesquisadora que realizou sua tese de doutorado na USP – investigou o uso do solo e o estado de conservação das Áreas de Preservação Ambiental na Bacia do Rio Paraitinga e explica que as áreas de preservação permanente (APPs) são essenciais para evitar desastres como a enchente que ocorreu em 2010 (Demange, 2018).
Segundo essa pesquisadora, em levantamento realizado pela Secretaria Estadual de Infraestrutura e Meio Ambiente em 2014, mais da metade das Áreas de Preservação Permanente das bacias hidrográficas da região do Vale do Paraíba encontravam-se ocupadas por pastagens, o que gera a compactação do solo por meio do pisoteamento do gado impedindo a regeneração da vegetação nativa e a penetração de água no solo. Portanto, a vazão superficial da água sobre o solo exposto aumenta os processos de erosão e de assoreamento dos rios da região, especialmente em períodos de chuva.
Uma das contribuições do trabalho de Lia é alertar que a enchente de 2010 não foi um desastre natural e sim um desastre misto, isto é, um evento natural associado às atividades humanas sobre o uso do solo na região, as quais o Estado é responsável por fiscalizar com recursos públicos para prevenção de desastres em áreas de risco.
Um importante instrumento para o controle do avanço sobre as APPs e para o ordenamento do uso do território (rural e urbano) é o Plano Diretor Municipal (instrumento estabelecido no Estatuto da Cidade – Lei Federal n° 10.257/2001) - uma lei municipal que, em São Luiz do Paraitinga, foi elaborada em processo participativo, com audiências públicas realizadas em todo o município para traçar diretrizes, objetivos e ações para o desenvolvimento planejado da cidade.
O Plano Diretor de São Luiz, sancionado em janeiro de 2010, logo após a enchente, teve alteração aprovada em 2011 para incluir as indicações de áreas de risco e alta vulnerabilidade socioambiental. Uma área de alta vulnerabilidade no centro de São Luiz é o Alto do Cruzeiro, onde também foram feitas contenções em áreas consideradas de risco, onde estavam localizadas casas de famílias que, após o episódio da enchente de 2010, foram realocadas para as casas do Programa Minha Casa Minha Vida (conjunto habitacional Casinha Branca).